Se você é da área financeira, já deve ter percebido que os investimentos sustentáveis estão cada vez mais em alta e levantando questões de sustentabilidade bem relevantes para o mercado.
Para falar um pouco sobre isso, o Simplifica foi conversar com uma verdadeira especialista no assunto e que está ajudando a desenhar as novas normas em relação a esse tema em um grupo da ONU (Organização das Nações Unidas), agora como voluntária.
Entre as tantas atividades, seja na academia ou no mercado, Vania Borgerth compartilha sua experiência profissional como voluntária no Advisory Council da IFRS Foundation (International Accounting Standards Board) e conta a seguir o que podemos esperar em um futuro próximo em termos de ESG (sigla em inglês que significa environmental, social and governance, e corresponde às práticas ambientais, sociais e de governança de uma organização).
Boa leitura!
Uma trajetória voltada para sustentabilidade e investimentos sustentáveis
Antes de compreender melhor os rumos dos investimentos sustentáveis e até mesmo as normas que ajudam a direcionar o mercado, é importante conhecer um pouco a história da Vania.
Ela foi gerente de Política Financeira do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), que tem como principal objetivo o financiamento de longo prazo e investimento em todos os segmentos da economia brasileira.
Começou na área de relações com investidores no banco, por isso passou a lidar com o público internacional recebendo investidores. “Isso me levou a assumir a chefia da Contabilidade do banco. Nessa época, o Brasil resolveu aderir às normas internacionais de Contabilidade. A pedido do Banco Central e depois da CVM (Comissão de Valores Mobiliários), comecei a acompanhar esse processo de normas internacionais para ajudar os reguladores a verem se as empresas brasileiras iam ter algum tipo de problema quando a regra mudasse. Com isso, entrei para o grupo da ONU que trata de relatório corporativo e para o Advisory Council do IRFS, que trata de auditoria de relatório contábil”, revela Vania.
Assim, ela chefiou a delegação da ONU até 2020, quando se aposentou. Desde 2011, a líder financeira está envolvida com a sustentabilidade. “Não basta reportar os números, é necessário reportar também as externalidades, o efeito que a operação da empresa provoca na sociedade e quão afetada ela é por tudo aquilo que está mudando nas questões ESG”, lembra.
Atualmente, Vania faz parte de alguns órgãos internacionais voltados para essa questão de transparência de mercado. “Ainda sou da delegação da ONU, ajudando a revisar os relatórios que são divulgados anualmente. Sou do órgão de ética profissional e do Integrated Reporting, que está sendo absorvido por essa nova norma de sustentabilidade. Estou ajudando a criar a norma que vai ajudar a acabar com essa sopa de letrinhas de sustentabilidade, fazendo com que todas as empresas reportem esse assunto pela mesma base para que possa haver comparações entre empresas do mundo todo.”
“Tive o privilégio na minha vida profissional de angariar muita experiência profissional nesse cenário e o porquê da norma ser daquele jeito. Participei dos debates e das discussões. Sinto como uma responsabilidade passar essa experiência e ajudar para que mais brasileiros possam se inteirar desse processo”, completa.
O que esperar das normas para investimentos sustentáveis
Um dos principais aspectos pontuados por Vania em relação a normas em investimentos sustentáveis é que, hoje, as elas não podem ser feitas dentro do quintal de um país. “As empresas são globais. Relatório que é escrito aqui precisa ser compreendido na Austrália, no Japão ou onde for e vice-versa. O que é produzido lá fora precisa ser compreendido aqui, porque o investidor brasileiro precisa entender para tomar boas decisões, afinal, a transparência ajuda a tomar boas decisões. Por isso, as regras precisam ser mundiais”, destaca a especialista.
O que os reguladores internacionais vão começar a olhar
Outro ponto defendido por Vania é que a vigilância vai ser maior em termos de acompanhamento da aplicação dos recursos. Ela ainda exemplifica: “se uma empresa vai ter um bonde no mercado internacional para construir uma fábrica, isso é uma coisa. Mas, se ela diz que vai ter um bonde no mercado internacional que é um green bond ou que é um sustentability bond, o investidor não está só interessado na rentabilidade do papel. Ele quer participar do projeto. Então, aquela floresta tem que ser reflorestada, aquele rio tem que ser despoluído, aquele funcionário tem que ser treinado. Oslo está muito preocupada porque esses bondes verdes sustentáveis têm um apelo que não é só econômico e, muitas vezes, as empresas se esquecem disso. Captam o dinheiro e acabam usando para outra finalidade. Essa é outra coisa que os reguladores internacionais vão começar a vigiar.”
Ela ainda reforça: “se é ESG, a aplicação dos recursos tem que ser ESG. Não pode ser para pagar um bonde para um diretor. Tem que ser algo bem diferente.”
Existe ainda espaço para o discurso ser diferente da prática?
Segundo Vania, a ideia de um discurso diferente da prática perde espaço com essa nova realidade de normas com investimentos sustentáveis.
“A não ser na África do Sul, relatórios de sustentabilidade são aplicados na modalidade relate ou explique. Ou seja, você não é obrigado a apresentar. Se você quiser apresentar, escolhe o padrão que te melhor apetece ou se não, diga porque você não está apresentando. Você não tem sanção ou penalidade, porque você não tem supervisão sobre esses relatórios. Porém, a partir de junho deste ano, a IRFS Fundation, que faz a norma contábil, vai fazer também a norma de sustentabilidade. Aí Oslo, que é a associação de CVMs, vai abraçar essa norma. O regulador local vai ter essa norma como norma. Assim, não é uma questão de relate ou explique, é uma questão de relate. E se todo mundo está relatando pela mesma régua, eu posso ter supervisão”, explica.