A mudança de hábitos nas compras com o surgimento da internet trouxe para as lojas online um grande desafio: inovar para chamar atenção do mercado.
Diante disso, a necessidade de oferecer soluções mais atrativas para os consumidores se tornou muito presente e, dentro desse contexto, o cashback, aquela oportunidade de ter de volta uma parte do dinheiro gasto em uma compra, foi ganhando espaço.
No Brasil, esse benefício foi se consolidando com a startup Méliuz, uma plataforma de cupons de desconto gratuitos em lojas online. A empresa mineira transformou o cashback no país e virou uma companhia de capital aberto na Bolsa de Valores.
Diogo Di Mambro, ex-coordenador de controladoria da empresa, compartilha a seguir sua experiência com o IPO da Méliuz e sua abertura de capital, e revela quais são os segredos para passar por um processo desse com sucesso.
Mas, afinal, o que exatamente é o IPO?
Antes de entrar propriamente nas dicas do Diogo, é importante entender o conceito de IPO. Trata-se de uma sigla em inglês que quer dizer “initial public offering”, ou “oferta pública inicial” em português.
Basicamente, é a primeira vez que uma empresa vai receber novos sócios fazendo uma oferta de ações ao mercado. Assim, ela se torna uma companhia de capital aberto com papéis negociados na Bolsa de Valores.
Geralmente, o IPO acontece em um estágio avançado de maturidade das startups e quando suas operações giram em torno de centenas de milhões de reais (veja a seguir as fases de uma startup).
O IPO é um processo trabalhoso e complexo. É preciso cumprir uma série de exigências legais e institucionais emitindo relatórios financeiros auditados, com informações fiscais, de governança corporativa, entre outros dados que deixam o pessoal do financeiro de cabelo em pé. Alguns desses requisitos são:
• Ser uma sociedade constituída sob a forma de S.A.;
• Ter três anos de demonstrações financeiras auditadas por auditor independente registrado na CVM (ou auditado desde o início para caso de empresas com menos de 3 anos);
• Designar diretor de RI estatutário;
• Possuir Conselho de Administração;
• Identificar eventual segmento de listagem e fazer o pedido de listagem e de admissão à negociação na B3;
• Realizar oferta pública de distribuição de valores mobiliários registrada ou dispensada de registro pela CVM;
• Devem ser observados também os requerimentos específicos dos segmentos de listagem escolhidos.
Fonte: B3
Leia mais: Guia do IPO
Como foi a história com o IPO da Méliuz
Entendido esse conceito, fica mais fácil entender o desafio que o Diogo tinha pela frente, certo? Antes de entrar na Méliuz, ele passou por algumas experiências profissionais em escritórios de contabilidade e empresas tradicionais que serviram para conquistar bagagem em áreas como tesouraria, tributário e diversos setores que o fizeram perceber as nuances essenciais para o processo de IPO.
“Pude resolver problemas do dia a dia, lidar com clientes internos e externos e aprender a tomar decisões em conjunto com pessoas que pensavam completamente diferente de mim. Desde quando tive meus primeiros contatos com auditoria, percebi como o auditor é uma figura importante e que também ajuda muito a resolver alguns problemas. Antes de entrar na Méliuz, eu trabalhava em uma empresa bastante tradicional e familiar com a parte tributária e societária. Entrei na startup como especialista tributário e fiquei imerso em uma cultura totalmente diferente do que eu já tinha vivenciado até então. Eu sentia que estava precisando disso”, destaca Diogo.
O cenário que ele enfrentava era de alta responsabilidade com capital investido. Era preciso olhar para o fluxo de caixa, geração de valor e ao mesmo tempo crescimento responsável, com algo sustentável. “Tudo que a gente foi fazendo foi voltado para o processo de IPO. O que a gente tem de muito positivo nas empresas de tecnologia é que elas estão sempre mil passos à frente. Estávamos entre a tração e o scale-up. A primeira coisa que eu fiz foi entender o negócio e as oportunidades que a gente tinha para melhorar o caixa”, conta.
De acordo com Di Mambro, dois passos foram essenciais para esse IPO: estruturar a casa para poder receber uma auditoria externa e ter uma visão conhecendo os processos internos para tomar decisões mais conscientes. “Como a gente internalizou a contabilidade, não tinha como não mudar os processos. A gente precisava que todas as áreas do financeiro atuassem de forma conjunta com o ERP integrado”, disse o especialista financeiro.
Para ele, outra coisa fundamental nesse momento foi ter uma guarda de documentos digitais para não ficar mexendo com papel e tendo tudo na mão, em pouco tempo. “Ter um rastreio das operações ajuda muito na organização. Os responsáveis pelas operações também precisam estar alinhados para as informações não se perderem. Quando a gente tem uma visão de ponta a ponta do negócio, facilita muito para saber se tudo está acontecendo de forma amarrada.”
A cultura da empresa também foi outro aspecto destacado por Diogo como algo que facilitou muito o processo do IPO. “A cultura empresarial da Méliuz é muito a favor da discussão de ideias. Quando você tem uma cultura forte de cooperação, tudo isso colabora. A demanda só vai ser suprida se tiver várias pessoas atuando em cima dela”, reforça.
Para muita gente pode ficar a pergunta: é preciso ter um time gigante para fazer um IPO? A resposta do Diogo é bem objetiva. “Quanto mais a estrutura comporta, é bom ter as pessoas. Mas, para fazer um IPO, não precisa de 50 pessoas trabalhando no financeiro. O que é importante é ter otimização. Nosso time na área tributária, por exemplo, passou de duas para três pessoas. Até tínhamos planejado o aumento da equipe por causa do aumento da complexidade de alguns trabalhos, mas não havia tempo para o processo seletivo. Fizemos tudo com um time financeiro pequeno e a assessoria de especialistas”, comenta.
Um processo de IPO de três meses
Uma coisa que acaba surpreendendo muita gente é que a equipe do Diogo teve três meses (isso mesmo, você não leu errado) e um time enxuto para que o IPO se concretizasse. “Tudo isso foi possível porque a empresa veio organizando os processos internos dela desde quando era uma embrião. Ela teve um fluxo de processos desenhado, foi crescendo e começou a passar por auditorias (isso também ajuda no crescimento do negócio). Ter um time focado em otimizar as operações também foi primordial, assim como ir atendendo a todas as demandas e exigências”, ressalta Diogo.
“É muita informação, muita explicação de números, mas se você já tem essa organização desde o início, passando por auditorias há muito tempo, não é tão dolorido. O que a gente precisou foi se adequar a uma norma mais complexa”, completa.
Isso tudo também entra em um ponto muito relevante destacado por Diogo, o de que o auditor deve ser visto como um melhor amigo e não somente como um carrasco. “A legislação é vasta e complexa. Certamente, será necessário trocar ideias, ter conversas com ele em busca da solução de determinado problema, afinal as informações da empresa vão estar totalmente visíveis para o mercado. Você tem que demonstrar tudo o que veio construindo desde o começo para poder falar: eu sou uma empresa organizada ao longo do tempo, eu me organizei de acordo com o meu crescimento e agora tudo o que estou fazendo é mostrar que tenho uma operação sustentável financeiramente e uma prestação de informações adequada à legislação, de acordo com o que o mercado quer ver”, explica.
Dicas de quem passou pela experiência
Resumindo, segundo Diogo, três aspectos são importantes para o IPO:
- enxergar o todo do financeiro;
- desenhar os processos;
- ter um time conexo, dentro de uma cultura empresarial forte.
Para ele, o segredo é que assim você consegue fazer coisas impossíveis em um curto espaço de tempo da forma menos dolorosa possível e, claro, pensando no momento da empresa de crescimento viável e atrativo para o mercado de uma maneira geral.
* Atualmente, Diogo Di Mambro é perito judicial e extrajudicial em Finanças no TJMG (Tribunal de Justiça de Minas Gerais) e mentor em Finanças e Negócios na Associação Brasileira de Startups.