Uma das grandes dúvidas que cercam quem está passando por rodadas de investimentos é saber quanto vale o negócio, ou seja, o valuation da empresa.
Apesar de ser um tema comum discutido entre empreendedores, investidores e gestores financeiros, trata-se de um conceito que ainda pode gerar algumas dúvidas e até mesmo questionamentos em relação ao momento atual em que o mercado se encontra.
Por isso, o Simplifica foi em busca de especialistas para entender melhor a dinâmica disso nos dias de hoje e o que podemos esperar para os próximos anos.
Mas, afinal, o que é valuation?
Antes de tudo, é importante compreender o que é exatamente o valuation. Segundo Bruna Losada, financial adviser de negócios e professora da Escola de Negócios Saint Paul, ele nada mais é do que o exercício de colocar um preço em determinado momento em um negócio. “Por definição, é uma coisa muito incerta, porque quem compra uma empresa não compra passado, compra futuro. Isso é uma verdade para uma empresa clássica e madura e para uma startup também. A diferença é que é muito mais fácil enxergar o futuro se o negócio já é maduro”, explica Bruna.
Para as startups, acaba sendo um grande desafio porque o futuro já é ainda mais incerto. “Em teoria, independe de quem olha (o empreendedor ou o investidor). O que importa é o negócio. E quanto esse negócio vale para um participante de mercado. O exercício do valuation, então, é pensar qual é o preço do negócio com o futuro que a gente acredita que ele tenha, com a sua capacidade de execução para qualquer participante de mercado”, resume a especialista.
Essa perspectiva também é confirmada pelos investidores. “O mercado muda muito. A forma como o capital é alocado é diferente na linha do tempo. Uma empresa consolidada tem previsibilidade em seus canais de geração de receita e de crescimento. Uma startup ainda está em uma busca pela descoberta e validação desses canais. O investidor está sempre pagando um ponto futuro. À medida que uma startup vai crescendo, ela vai se transformando em algo mais próximo da economia real, porque ela vai diminuindo essas dúvidas e construindo mais certezas”, completa Amure Pinho, fundador do Investidores.vc.
Diferenças entre os métodos de avaliação de valuation
Existem diferenças grandes nos métodos de avaliação para empresas clássicas e para startups. Para Losada, as principais são:
Na empresa clássica, o método utilizado é o fluxo de caixa descontado. Se você colocar isso em uma startup, o valuation provavelmente vai ser negativo. Então, esse método em si funciona pouco. Por isso, surgiu um outro método batizado de método VC, em que você não parte de projeções de curto prazo, você já imagina o futuro e desse futuro você reflete quanto está disposto a pagar hoje. Geralmente, a metodologia para pensar o futuro é baseada em múltiplos de transação no mercado.
Outra diferença se refere à como o risco é precificado. O risco é pensado no futuro em termos de trazer faturamento e a probabilidade de as coisas darem certo, trabalhando com cenários.
Em terceiro lugar, vem a diluição. Quando você vai fazer valuation de uma empresa de capital aberto, você não coloca na conta que você vai ser diluído. Vão entrar novos investidores e os anteriores vão ser diluídos. O valuation para quem já estava lá é diferente para quem vai entrar. E a gente precisa colocar essa diluição ao longo do tempo na conta.
“O que mais dói é pensar nas hipóteses e premissas do negócio. Qual é o negócio que a gente tem? Quanto de demanda é razoável esperar? É isso que é difícil na startup, porque você não tem referências. Calibrar o bom senso das premissas é um super desafio. Não é uma questão de matemática, é uma questão de pensar as premissas”, reforça Bruna.
Erros cometidos em relação ao valuation
O que muitos investidores acabam percebendo é que alguns equívocos são recorrentes quando o assunto é valuation.
“Um erro comum é geralmente puxar o valuation mais para cima por uma questão de proteção de cap table [tabela em que consta a organização societária de uma empresa. Nela, estão descritos os percentuais de participação de cada sócio], uma proteção de participação que ele vai ceder para esses investidores. Uma coisa muito discutida entre os investidores é a preservação de equity para os empreendedores. Às vezes, ele pode ter cometido um erro no cap table no passado, aí ele precisa compensar isso com o próximo investidor. Então, tenta-se jogar o valuation para cima para diminuir esse problema. Mas, se existe um problema, é preciso tentar resolvê-lo”, alerta Pinho.
O que esperar para o futuro
Depois de todas essas explicações, um consenso a que os especialistas chegam é: com o valuation sendo encarado como está atualmente, vai ter uma correção.
“A questão é: quando e como. A história mostra isso para a gente. Uma vez que os valuations inflaram demais e depois houve a correção, ela foi tão grande que assustou os investidores. O que seguiu foi o inverno ao capital de risco. O apetite por startups sumiu. A crise foi tão pesada para a confiança do capital dos investidores que surgiu um inverno que a gente não quer viver de novo”, destaca Losada.
De acordo com a consultora, três pilares são importantes para que o mercado não tenha essa experiência novamente.
- A economia real;
- O aspecto motivacional com a gestão de cap table para discutir a empresa no valor;
- O poder da negociação e de barganha.
“Se você encontrar um equilíbrio nisso, que não se esqueça de nenhuma das partes, o empreendedor vai estar mais tranquilo, no sentido de ter uma segurança. Se você não se distancia de um bom poder de negociação, se você organiza o seu cap table e se você não perde a referência do que é razoável, que você acredita genuinamente que possa ter de faturamento, o seu valor vai se sustentar e você tem uma grande chance de passar por esses momentos mais difíceis de correção”, afirma Bruna.
Para Amure, a existência de um gap provoca justamente esse efeito de inflação no mercado. “A quantidade de bons negócios é menor que a quantidade de dinheiro disponível, então, encontrar os melhores negócios gera uma inflação no poder do dinheiro. Isso é uma cascata. Tudo encarece quando você tem esse processo. Temos uma entrada na bolsa muito grande de negócios digitais, com um recorde de fusões e aquisições que também traz liquidez compradora para o mercado. Só que a gente vai ter uma correção, porque a inflação vai vir.”
Assim, as previsões são positivas para quem se superar. “Na minha opinião, vamos viver esse gap, onde startups que captaram há dois anos um valuation esticado vão ter dificuldade para manter esse fator multiplicador nas próximas rodadas. São ajustes do mercado. Só tem uma coisa que vai proteger o empreendedor: se ele conseguir mais do que a média”, sugere o investidor.